sexta-feira, agosto 22, 2008

O blog está morto. Vida longa ao blog!

Povo,
Faz uma data que não posto nenhum novo conto, poema ou coisa que o valha cá no Demo. O blog está paradão há muito tempo e isso só pode significar uma coisa: o Demo morreu.
Não fiquemos tristes. A vida tem suas fases. Tudo é um cliclo. É tempo de renovar. Blá, blá, blá.
Se quiserem ler novos e velhos textos meus, bem organizadinhos, não façam cerimônia. Visitem:


http://camilafernandes.wordpress.com


Ou vocês acharam que eu ia parar por aqui?
Até parece.

terça-feira, julho 08, 2008

Necrópole - Histórias de Bruxaria. A noite do lançamento!

A imagem já explica tudo. Espero vocês por lá!

terça-feira, junho 24, 2008

Necrópole III: Histórias de Bruxaria



Desde tempos imemoriais, perguntas sem resposta assombram o ser humano: De onde viemos? Para onde vamos? O que nos impele a continuar? O que há além?

A procura de soluções para esses mistérios que permeiam nossa existência sempre norteou nossa consciência, tanto individual quanto coletivamente. Foi precisamente das tentativas de solucionar o que é impossível de ser comprovado pela ciência que as mais diversas tradições mágicas e religiosas foram criadas. Todas elas, do xamanismo siberiano à magia ocidental, passando pela pajelança americana, pelo vodu haitiano e pela feitiçaria européia, são tentativas de encontrar alguma chave que abra à humanidade o portal dos mundos sutis, que dê acesso à morada dos deuses, à chama da sabedoria primordial.

É evidente que as respostas a essas perguntas, praticamente imanentes ao ser humano, não estarão neste livro. Mas a criatividade de seus autores, já comprovada nos dois primeiros volumes da série – Necrópole - histórias de vampiros e Necrópole - histórias de fantasmas –, oferece pontos de vista totalmente novos sobre a bruxaria. São seis histórias que abordam a presença da magia em nossas vidas sob os mais diversos ângulos, extrapolando nossas clássicas noções de bem e mal.

Necrópole: histórias de bruxaria é o terceiro volume da Coleção Necrópole. Surge como uma resposta ao sucesso de Necrópole: histórias de vampiros e Necrópole: histórias de fantasmas, que conquistaram leitores ávidos por publicações nacionais de suspense, terror e fantasia.

A coleção originou-se do NecroZine, periódico bimestral com contos de suspense e terror, distribuído em eventos culturais como forma de propagação desse gênero literário. Seus criadores – Alexandre Heredia, Camila Fernandes, Gianpaolo Celli e Richard Diegues – recebem, neste volume, o reforço de dois talentosos convidados: Eric Novello e Nazarethe Fonseca.

Como já acontecia nos contos publicados em NecroZine, na coleção Necrópole os elementos de suspense e terror são dosados com habilidade. O resultado são narrativas bem conduzidas e abordagens sutis. Daí essas histórias agradarem até mesmo quem não é fã do gênero de terror.

Neste livro, os leitores são envolvidos pelas tramas no ritmo violento de Alexandre, na aguda sutileza de Camila, na agilidade sarcástica de Eric, na marcante acidez de Gian, na sensualidade de Nazarethe e na profundidade psicológica de Richard.

Com esta obra em mãos, você perceberá que Necrópole é mais que uma simples coleção. Ela é fruto de uma proposta forte, de quem não apenas escreve literatura de terror e fantasia, mas faz questão de provocar arrepios de verdade!

www.alaude.com.br

quarta-feira, junho 18, 2008

Lançamento!

Mais um excelente livro do qual tive o privilégio de tomar parte como revisora. A Cristina Lasaitis é a mais nova revelação da ficção científica brasileira e recomendo sua obra - e a festa de lançamento - a todos!



Fábulas do Tempo e da Eternidade

Lançamento: Sexta - dia 04 de JULHO de 2008, a partir das 18 h
No Bardo Batata
Rua Bela Cintra, 1.333 - Jardins (a uma quadra do metrô Consolação)
São Paulo - SP

Tarde de autógrafos:
dias 05 e 06 de JULHO de 2008
no FANTASTICON - II Simpósio de Literatura Fantástica - Colégio Marista Arquidiocesano - Vila Mariana

Tarja Editorial
www.tarjaeditorial.com.br

176 páginas
Formato bolso: 18 x 12 cm
Preço no lançamento: R$23,00

Sinopse:
Virá o tempo em que as estrelas se apagarão, a matéria ruirá sob suas próprias forças e os buracos negros se diluirão no vácuo. As leis da física profetizam que, tal como cada um de nós, o universo que habitamos também terá o seu término.
A religião nos legou a fé na eternidade, a ciência concedeu-nos o conhecimento do fim. Dividido entre a pulsão pela vida e a lógica crua, o ser humano passou a conviver com a angústia de ser carregado pela correnteza das horas num curso irrefreável rumo ao grande mistério.

Surge aí a fatal pergunta: como superar os limites impostos pelo tempo?

Numa incursão especulativa pelo mundo da ficção científica e fantástica, Cristina Lasaitis explora as diferentes facetas de Cronos e levanta questões intrigantes sobre a perpétua busca do ser humano pela superação do tempo. Com uma narrativa agradável e bem humorada, pincelada por influências de Jorge Luis Borges, Arthur C. Clarke e Ursula K. Le Guin, a autora apresenta épicos modernos, reinventa mitos antigos e se envereda por futuros imaginários e inimagináveis a dissecar o sentido (ou a falta de propósito) da existência em 12 histórias sobre extrapolação, transcendência e esperança.

Sobre a autora:
Cristina Lasaitis nasceu em 1983. Garota de imaginação fértil, desde cedo alimentou uma paixão especial por ciências e por histórias de ficção científica. Tal paixão foi decisiva para sua escolha profissional: formou-se biomédica pela Unifesp, onde hoje se dedica ao estudo do comportamento humano. Ademais, tornou-se escritora de ficção por hobby, e um dia lhe ocorreu que seria uma boa idéia se profissionalizar. Seus contos já foram publicados nas coletâneas Visões de São Paulo - Ensaios Urbanos (2006), FC do B (2008), na revista Scarium (2007) e também no site Novas Visões. Fábulas do Tempo e da Eternidade é seu primeiro livro e traz um apanhado dos melhores contos de sua jovem carreira de escritora. Atualmente ela vive em São Paulo com sua família e sua biblioteca, e se dedica a escrever muitas outras histórias...

Mais informações blog da Cristina Lasaitis:
http://cristinalasaitis.wordpress.com

segunda-feira, junho 16, 2008

Lançamento!



Novo livro de Nazarethe Fonseca com capa e revisão minhas.

LANÇAMENTO – 04 de JULHO de 2008

Kara & Kmam - uma saga de Alma e Sangue

Nazarethe Fonseca

Melhor do que revisitar antigos personagens é poder dar a eles uma nova vida, mais detalhes e, acima de tudo, muito mais força e carisma. É o que Nazarethe Fonseca fez em sua nova obra, com Kara Ramos e Jan Kmam, o casal de vampiros mais complexo e apaixonante dos últimos séculos.
Neste livro, fica clara a referência aos vampiros clássicos, como o de Bram Stocker, que são jogados em um caldeirão de romantismo digno dos protagonistas de Francis Ford Copolla. Para quem espera algo leve, este é o livro errado, pois a intriga e o terror se entrelaçam como ervas daninhas ao romance dos casal.
Envolvente, atual e real. Acima de tudo, assustadoramente real. É isso o que você pode esperar deste romance. Sinta-se à vontade para entrar na vida de Kara e Kmam. O risco é inteiramente seu!

A Trama:
Um casal de vampiros se vê em meio a uma grande rede de intrigas, perigos e poder. Sua existência é regada a doses vertiginosas de romance e sedução do tipo que somente as criaturas da noite são capazes de criar. E, como não poderia deixar de ser, igualmente permeada de interesses, jogos de poder e vingança. Os protagonistas da trama já são velhos conhecidos dos amantes dos vampiros: surgiram aos milhares nos velhos séculos e suas histórias foram contadas em Alma e Sangue, o despertar do vampiro. Agora ressurgem com muito mais paixão e fascínio para dar continuidade a esta
saga de alma e sangue.

Onde:
Bardo batata
Rua Bela Cintra, 1.333
São Paulo - SP
Horário:
04 de Julho de 2008
Sexta 18 horas

T a r j a E d i t o r i a l
Rua Dr. Zuquim, 757 – Conj. 155
tarjaeditorial@tarjaeditorial.com.br
contato: Richard Diegues – 11 9547-2520
www.tarjaeditorial.com.br

domingo, setembro 02, 2007

Pêssego e Flor

A brincadeira é a seguinte:

O escritor e pesquisador Jean Canesqui me pediu outro dia: "Escolhe uma ilustração tua pra eu escrever um conto sobre ele." Escolhi um dos meus esboços-sem-compromisso preferidos, que segue abaixo, pois achei que ele era bastante sugestivo e desafiante para um escritor como ele. O resultado escrito não poderia ter sido melhor: o conto Pêssego e Flor, delicado, sutil, tenso e envolvente, que vocês podem conferir abaixo, junto com o desenho.



Pêssego & Flor

Pêssego dedilha as três cordas da cítara.
O corpo é a curva perfeita sobre palha do tatami (01). Uma dobra circunscrita desde os primeiros tempos para ser mais donairosa do que cômoda. Pêssego paira sobre si mesma, amparada pela música de calar banquetes, fugindo de tudo, buscando o nada. A cabeça remota de impertinências. Destarte, ficaria para sempre, no conforto da ausência... Se aquilo dolorido e persistente não fizesse a carne traidora da alma.
(Mais uma vez)
O dedo é intenso. A corda se quebra.
Pêssego é seqüestrada do reino a flutuar acima das coisas para a Terra sob ele, sólida e inegável.
_É a primeira corda que vejo você quebrar desde...?
Pêssego não percebeu Flor entrar. De repente, uma assistência para a solidão.
_Desde sermos meninas?
_Desde antes de sermos mulheres, Pêssego.
Flor fala a verdade. Cortante. Mas não fere por crueldade e, sim, somente porque o fato é o fato e ele simplesmente corta.
Pêssego depõe a cítara em seu canto de descanso.
A delicadeza é teatral numa vida espetacular.
Flor:
_Decidiu?
_Que há para decidir?
Flor suspira.
_A oferta de seu danna (02).
Agora, a verdade veio orvalhada. Mágoa molhada. Se a levasse com os dedos aos lábios pintados, sentiria o gosto salgado da lágrima. Todavia, Flor não pranteia. Não as vistas da outra.
_Devo dizer a resposta que já sabe, minha irmã?
_Comenta-se que o senhor Yanamoto a deseja muito...
_Está sendo vulgar, Flor.
_O viúvo lamenta pela finada, que não lhe trouxe filhos. Culpa dela, obviamente. No entanto, o senhor Yanamoto acredita, com muita fé, dizem, que sua escolhida, além de ser uma grande mulher de arte, poderá ser também uma mulher de filhos.
_Pare...
_O que diria seu danna ao saber que a natureza lhe forneceu muitas artes, menos a da maternidade...
TAPA!
O golpe corre como corre o relâmpago pelo céu. Rápido. Inesperado. Breve. Aguarda-se o esperado perseguidor do raio. O Trovão. Enfim, o que estava represado transborda e Flor é só água.
Pêssego a fita. Fria. Um primeiro olhar de gelo em seu rosto nevado pela maquiagem. O segundo é um olhar de alma e de carne. A gueixa se desfaz da arte de ser e abraça a mais nova desmoronada e soluçante.
_Desculpe! Desculpe! Não queria que fosse de Yanamoto. Seu lugar é aqui.
_Como eu poderia fazer tal coisa. Você sabe...
_Eu sei, Pêssego. Eu...
_É impossível atender tal pedido.
_Perdoe-me, estou louca... Você queria, não queria?
Pêssego é silencio.
_ Você o aceitaria, não? Vejo como são vocês, quando estão juntos. Vi quando segurou na mão dele quando escreviam sobre o papel, como se o papel fosse o corpo um do outro. Se pudesse...
_Se pudesse, seria outra vida.
_Perdoe-me, estou louca, Pêssego.
_Também padeci por essa loucura.
_Por Yanamoto?
_Também. Porém, ele não foi minha primeira insanidade.
_?
_ A primeira aconteceu quando minha mãe leiloou você, Flor.
Flor a contempla. Pêssego se completa.
_Quando leiloou a última donzela do okiya (03).
Sorriso germinal em Flor.
_Não é verdade.
_Minha loucura naqueles dias de desgosto?
_ Que eu fui a última donzela dessa casa naqueles anos _ Vaticina Flor.
Pêssego deita os olhos. Na mira, mãos alheias, invejadas por não serem as suas, porém amadas por poder tê-las.
_ Na verdade, não fui donzela por muito tempo. Você...
_ O senhor Yanamoto iria se indignar mais ainda.
_ Naquele dia, Flor, quisesse eu ser senhora de todas as estrelas da noite. Navegaria pelo ocaso em uma canoa e laçaria uma a uma com uma rede até ter todas. E, uma a uma, eu daria a minha mãe cobrindo lance por lance. Mas naquela época eu era dela tanto quanto você, talvez mais até. Nem podia lhe dar uma estrela do mar.
_No entanto, deu-me constelações depois...
Flor se solta de toda sua arte em vida. Rola no chão como se não tivesse sido uma gueixa a vida toda, e sim uma gata preguiçosa. Malandra.
_Então, não serei a nova oneesan (04) sobre este teto?
_ Terá que se conformar comigo como tal, Flor, minha irmãzinha.
_É seu por direito.
_Não há “direito”.
_Se ainda dúvida, visite o Kenban (05) e pergunte. Sua mãe deixou para você, a filha. Para quem mais ela deixaria?
_Nosso tipo de...
Pêssego se detém sem força. Flor é forte e conclui.
_Mulher?
_ Nosso tipo de mulher não deve ter filhos. São as boas alunas que herdam.
_Você é a maior aluna.
_ Se soubessem...
_ Não sabem. Você será como sua mãe.
_Não!
_Deixará ir-me pelas ruas desacompanhada?
Pêssego responde a ronha de Flor, ousando uma curva feliz no lábio escuro.
_Não. Saíra respeitosamente, acompanhada.
_Por um homem que confia?
_Pelo que eu mais que confio.
Flor desafia.
_Você?
Flor é deveras desafiante.
_Eu pretendo sair muito, Pêssego. Como me espera me acompanhar tanto e cuidar das outras e do okiya?
_ Você não sairá muito.
Flor e mais um desafio
_ Se um danna meu me quiser, você me dará?
Silêncio.
_ Se um danna meu me quiser como quis o seu, você me dará?
Pêssego novamente é uma fruta cujo sulco é o silêncio.
_Pêssego...
_ Aí está livre para decidir. Teu desejo...
_Meu desejo é o desejo da oneesan dessa casa.
_E qual o desejo da oneesan?
_ A oneesan sabe.
Pêssego se levanta e flutua em passos de imperceptível brisa até ver no espelho o inverso dos arabescos no quimono e no obi (06) devidamente amarrado atrás, em sua cintura.
_ A oneesan conhece mesmo o que deseja?
_Uma mulher deseja, Pêssego?
Flor adentra no reflexo na marcha de uma sombra indicando a quanto vai a morte do dia, grávido da noite.
_...Flor.
E o espelho de cada uma na sala, os olhos em cada órbita, reflete a busca de ambas. Profere Pêssego a verdade dita por sua mãe. Dita por outras. Dita por todas.
_Somos mais que a maioria das mulheres. A nós, é legítimo o desejo.
Flor solta o obi e se desabrocha, fazendo-se de si uma perfeita florida e transmutando por essa magia Pêssego de fruta silenciosa a abelha rainha, com seu ferrão inerente.
_ Disse minha mãe: Sou mais que uma mulher. Sou menos que um homem.
Flor a nega e a afirma.
_Você, mais do que qualquer um, pode ser o que quiser.
Os seios de Flor não são rígidos, quase caem. Porém, são fartos e deleitosos, próprios para alimentar bebês e homens famintos.
Tal qual as duas irmãs de vida e de alma, o desejo e a inveja se urdem fraternos no pulso a ecoar entre os seios planos e sem significado de Pêssego. A fome pelo o que não tem em si e o que pode tomar para si.
_Sou o que minha mãe me fez com o amor e com o egoísmo.
Flor além de tola é sábia.
_Amor e egoísmo são redundantes. Queremos sempre próximo a quem amamos, mesmo aprisionando e o adoecendo. Infelizmente, o okiya não é lugar para meninos.
_É lugar para fêmeas, assim minha mãe me prendeu a ela, fazendo-me filha. Não. Nem filha, mas uma criança que ninguém sabia de onde vinha. E o que eu sou hoje, minha Flor pálida?
_ Uma mulher de arte. Senhora desse okiya. Minha senhora...
Momentos mortos.
_Se quiser... Meu senhor.

Anos anteriores a uma única respiração sequer das pessoas nessa sala, a mãe de quem viria a se chamar Pêssego ofereceu a Arte do Alívio ao seu mais estimado cliente. Não atendeu a um pedido. Para ele bastava a música e o diálogo. Apenas ofereceu seu bem querer desinteressado.
Preparou o assalto do amor como o Senhor da Guerra se prepara para a batalha. A Senhora do Amor traçou estratégias. Cogitou táticas. Ouviu conselheiros.
Comprou o saber das ocultas e singulares ciências sensuais da grande oiran (07).
Do Bordel Verde.
A casa ditosa das mulheres do prazer. A casa cercada por plácidas e prateadas lagoas, cujo fundo é obscuro, pois é profundo. Por onde as crianças temem passar, porque falam que naquelas águas se abrigou um Vampiro do Rio, apaixonado por essas mulheres e seus talentos de ardor e de brasa. Mentiras de esposas solitárias e magoadas, certas que a conhecida predileção desse ser infame por sangue infante afastaria seus pequenos apaixonáveis.
As senhoras da luxúria podiam tomar seus esposos, mas as crianças sempre seriam de suas mães.
A Senhora da Luxúria foi a mestra da Senhora do Amor. Ensinou as quatro dezenas de maneiras diferentes de se amar e de fazer um homem morrer por um momento entre suas pernas.
A esmerada aluna fez a prova, ao algemar o amado em sua tenaz, da qual o cadeado era seus caprichosos calcanhares.
O prisioneiro retribuiu o cárcere, prendendo-a na adamantina liga feminina.
A maternidade.
Entretanto, o danna, cujo nome não deve ser mencionado, não admitiria esse filho.
A dama que o carregava bem sabia. Ele casara um ano antes com a última mulher da casa ao lado da sua, cuja toda família fora tragada pela vida. Ele dobrou o poder que detinha e agora se senta entre homens maiores, dos quais antes nunca encontraria. De boa semente, já fez seu herdeiro. O primeiro varão. O legítimo.
Não poderia permitir um bastardo e a pulverização de sua grande herança.
Tremendo o temor das prenhas fêmeas diante da ameaça que se avizinha, a dama se armou de dupla mentira.
Mentiu ao atribuir a autoria daquilo a levar consigo a outro cliente, do qual o nome também necessitava ser tratado com discrição por variados e justos motivos.
Logrou também ao dizer que quem nasceu não foi mais um varão (os deuses abençoaram a semente desse danna), mas sim uma menina.
Desse modo, a desconfiança do pai fora superada pelo desprezo e pela segurança. Um homem pode tomar o que é seu. O que uma mulher pode fazer?
Suas visitas se escassearam e a mãe se mudou dali, antes que a previdência o fizesse ser mais do que distante, o fizesse inclemente.
Devia ter dado seu filho. Gueixas não são mães. Esposas são mães e essa gueixa não era esposa. Então, mentiria novamente.
Ela não seria mãe. A criança continuaria a ser menina, porém, ela não seria sua filha, seria a compra prematura de uma aluna. Então, não haveria querelas. O menino era uma menina como todas as outras do okiya que montou, só que adquirida antecipadamente. Uma excentricidade talvez duvidosa, no entanto perfeitamente aceitável.
Condenar um homem ao rebaixo mutilado de ser uma mulher não era um crime por demais cruel? Talvez, todavia, para tal infâmia, havia um contrapeso:
Nesses tempos que ser mulher é ser menor que um homem, ser uma Mulher de Arte era ser maior que ser uma mulher de casa. Então, o que melhor uma mulher pode ser do que ser uma gueixa?
Menos que um homem, mais que uma mulher.
Justo? Talvez não. Compensatório? Talvez sim.
A mãe chamou seu fruto de Pêssego, porque seu cheiro era saboroso como a sedutora lembrança de um em todo o seu doce e sua pele era sedosa e suculenta a ponto que lhe gerar um incivilizado desejo de devorá-lo, para alimentar seu amor esvaziado e protegê-lo novamente dentro de si, numa gestação sem fim.

Flor veio depois.
De onde veio e como se chamava, não é relevante a nada. Entrou para a casa antes do sangue lhe eleger mulher. Chamaram-na de Flor. Obviamente porque assim o era e porque é sempre conveniente a uma gueixa ser uma flor.
Aprendeu durante os dias os segredos de ser uma Mulher de Arte.
E aprendeu num dia o segredo de Pêssego, que não era mulher.
Aconteceu fora do okiya, na neve invernal, no banho quente das fontes vulcânicas, sozinhas, observadas apenas pelos macacos brancos das montanhas.
Rapidamente, Flor se despiu e mergulhou no líquido borbulhante.
Pêssego apenas a mirava. Com face interessada na aventura molhada, porém com a cabeça baixa, envergonhada.
Flor, que desde broto era fascinante, a persuadiu com gloria e vitória.
Pêssego abriu o quimono e, livre de tecidos e embustes, juntou-se à amiga no calor da água fervida que da terra vinha.
Foi quando, que por comparação dos dois corpos despidos de tudo, panos, pêlos e segredos, que se viu a verdade.
Flor era côncava e Pêssego era saliente.
Nessa hora mais sincera que nunca, um pacto de amor e de verdade se fizera e elas se fizeram irmãs. Quase únicas. Uma alma una.
Ambas descobriram, anos mais tarde, quando os pêlos e volumes complicaram a tessitura do engano, que o amor delas era amor maior que o da pequena fraternidade.
Ao leiloar a virgindade de Flor para o cliente mais generoso, a mãe de Pêssego cravou na carne e na alma de ambas, uma dor cuja sangria foi de plena simetria.
Depois do triste comércio, uma frente à outra, entre lágrimas e lamentos, confessaram aquilo que somente se revela quando quase se perde.
O artifício se agravou. Sob a farsa da amizade feminina e fraterna, atuavam nas coxias os atores num calmo e quieto ensaio amoroso, quando o estratagema era retirado do jogo para prevalência do gozo.

_Se quiser, Pêssego, será.
A carne.
Chama.
Um laço é desfeito e outro tem o nó reforçado num aperto.
A seda cai.
Obi e quimono se derramam e escorrem pelo chão de palha entrelaçada.
De cada uma, três kanzashis (08) e um pente são retirados, libertando o cabelo sobre a derme hiberna da pele nua, junto com os brincos de casco de tartaruga.
Despidas de sua beleza artificial, as gueixas desaparecem, restando apenas homem e mulher em deleite natural.
Dessa arte candente, Pêssego, encaixe experiente nesse mundo livre a deslizar, faz o que gosta se fazendo de pouco saber. Cabe a Flor, sua contraparte em mais uma atuação de impostura, impor-se e fingir a lhe ensinar o que já foi ensinado, travestindo, por malícia e manha, a ciência bem conhecida em indesculpável ignorância.
A lição é verbalizar o prosaico amar em todas as suas delicadas e agudas flexões.
Inclusive, quando aluna choca a mestra ao compensa-la de súbito pelo o que lhe foi pretensamente revelado, ao lembra-la que ela é ele e ao toma-la, mostrando que quem é, de fato, ela.
Um segredo do corpo por outro segredo do corpo.
Flor, unida com Pêssego, divide o lendário seppun.
O amar com a boca.
A paixão entre os dentes, na ponta da língua, entre os lábios.
O amor a devorar. O amor devorado.
O que os estrangeiros chamam de beijo.


(01) Tatami: Tatame.
(02) Danna: Amante da gueixa. Protetor.
(03) Okiya: Casa das Gueixas.
(04) Oneesan: Gueixa mais velha. Guia das gueixas aprendizes.
(05) Kenban: Cartório de registro e controle das atividades das gueixas
(06) Obi: Cinto usado em conjunto ao quimono.
(07) Oiran: Prostitutas mais experientes, as quais geralmente administravam os bordeis.
(08) Kanzashis: Jóias decorativas para o cabelo.

Fonte:

http://www.culturajaponesa.com.br/htm/gueixa.html

terça-feira, agosto 07, 2007

Súbito, o Frio

Junho em São Paulo. Era para ser outono, um quase inverno de pôr-do-sol bonito e folhas secas. Mas assim é a cidade, um dia tem mil estações. Calor num momento e, súbito, o frio. É um tempo instável, difícil de prever.

Como ela. Por isso é que gosta desta época do ano. É quando se sente mais normal.

O dia hoje está ameno, mas logo há de mudar. Os vidros fechados isolam mal e mal os sons da rua. “E agora?”, ela se pergunta. “E agora?”

Não era o que perguntava meses antes. Tinha uma série de perguntas infalíveis, que se repetiam não necessariamente em ordem.

“Normal?”

“Hein?”

“Você acha que eu sou normal?”

O rapaz a espiava de lado, na varanda do apartamento, achando graça na sua conduta. Um cigarro brincava entre seus dedos. Seus olhos passeavam lá embaixo, nas casinhas tradicionais do Alto da Mooca, panorâmica familiar.

“Não”, respondia, “mas se fosse, não teria graça.”

“E então? Você me ama?” Um clássico.

“Você sabe o quanto.”

“Sei.”

“Se já sabe a resposta, por que pergunta?”

“Quero ouvir de novo e de novo.”

E ouvira. Repetidas vezes. Certeza diariamente procurada: necessidade. Como o remédio de tarja preta na gaveta de meias. Um lugar seguro para um segredo.

Por que um homem abriria a gaveta de meias da namorada? Não havia razão. Mas ele abriu. E encontrou.

De repente as estranhezas leves da menina pareceram explicadas, rotuladas. “Mas se fosse normal, não teria graça”, ele repetiu para si. Não tem nada demais uma pessoa se medicar. E não pensou mais nisso.

Só naquilo. Aquilo que os homens querem. Mulheres igualmente. Ela era incomum nessas horas também. Hábil. De uma habilidade… profissional. Calculada.

Desapaixonada.

Não era desamor. Queria agradar. A vontade existia – faltavam o desejo, a quentura entre as pernas, as pupilas dilatadas, os úberes intumescidos. Ele teria notado antes se prestasse mais atenção.

“É o remédio”, ela explicou. “Corta o tesão.”

No começo ele não pensou que fosse ruim. Ela se empenhava. Era até lisonjeiro. Mas que graça tinha? Depois de um tempo, nenhuma. Chegar lá, esfregar, espirrar e dormir, sabendo que de sua parte ele não lhe causava satisfação alguma. Via de mão única.

Foi assim que ela largou o medicamento pela primeira vez. Para tentar diferente. Esqueceu-o no fundo da gaveta, no criado-mudo, sob o abajur, no limbo do apartamento burguês. Saiu o comprimido, entrou a putaria. E desde então as noites lá dentro foram quentes. Os dias, também. Mas de um jeito diferente.

Se na hora de ralar fluíam como água, na hora de viver chocavam-se feito pedras. O humor vinha e voltava do inferno, uma náusea emocional constante, bate, volta, eu quero, não quero, deixe-me, fique, lágrimas e riso, riso e lágrimas. Eu te amo três vezes ao dia já não funcionava. O organismo da moça adquirira tolerância ao cafuné, exigia mais e mais. E tome cara feia em público, chilique ao telefone, tapa na cara. Ardido. Quente, sim.

Para quem estava de fora, era difícil entender. Desnecessário. Admite-se apenas a mulher histérica, seus ataques, seus berreiros. Não sua dor. Nunca se nota a tarja preta sobre os olhos.

Ele ameaçou sumir. Ela pediu, implorou e prometeu. E correu de volta para as cápsulas de paz, exatamente como o doutor prescrevera.

Assim, devagar, os dias voltaram a ser tranqüilos. O problema é que as noites, também. Demais para ele. Não tinha que passar vontade, ela colaborava, bastava pedir. Mas comer comida fria? Não dava.

Lá para o final de maio, começo de junho, o tempinho indeciso de que ela tanto gostava, a moça passava camisas na sala. O papel de dona-de-casa a contentava vez por outra: fazer bem-feito, ser útil a ele, talvez necessária. E para coroar esse contentamento ela voltou a perguntar o de sempre:

“Você me ama?”

Mas a resposta demorou a vir, e quando veio não foi bem a de sempre.

“Você pergunta demais. O que acha?”

No despreparo, saiu-se com esta:

“Não sei. Me diga você.”

“Estou cansado de dizer.”

“Então é não!”

“Ainda pode ser sim. Mas, sabe, menina? Você torna a tarefa de te amar muito difícil.”

O choro era esperado, e veio.

“Eu estou me esforçando”, ela gemeu, infantil.

“Até demais. Amor não tem que ser assim, suado e sofrido. Não pra mim, entende?”

“Mas eu te amo. E não sei te amar de outro jeito.”

“Sei que não.”

Ele se aproximou, se inclinou, beijou-lhe a testa. Beijo complacente, sem ternura. Andou na direção do quarto, parou diante da porta, olhou para dentro sem pressa. Em silêncio. Pensava se continuaria até o guarda-roupa. O chorinho de fundo virou heavy metal.

“Você vai embora? É isso? Vai dar pra trás agora?”

“Queria ter tido colhão pra ir antes, mas não deu. Eu tentei, você tentou, nós tentamos, não rola mais. Toca pra frente. Sem culpa, OK?”

“Você não pode sair assim. Não tem esse direito.”

“A genteconversa quando você estiver mais calma.”

“Você tem outra!”

O abajur – o mesmo que ficava sobre a gaveta com o remédio – voou e não acertou. O alvo olhou para trás, espantado, mas nem tanto.

Há horas em que um homem precisa peitar a situação. Ele peitou.

“Eu tive várias. O suficiente pra criar coragem. Sou assim. Quero trepar com vontade. É assim que você quer continuar? Eu não. Acorda. Isso não é vida nem pra mim nem pra você.”

Esse foi o erro: julgar a batalha ganha. Nunca se pode contar com o bom-senso do inimigo. Mulheres sabem disso, por isso apunhalam à traição. Na inconformidade, no ódio, na inarticulável indignação e principalmente na falta do obrigatório punhal, investem com o que têm à mão.

No caso, o ferro de passar.

Algo deu muito errado nessa hora – ou muito certo, questão de gosto. O que ela fez, fez sem pensar, e fez direito. O ferro estava ali, quente e pesado, e ela golpeou com força, uma vez só.

O som da queda foi estranho, sufocado, e o movimento, antinatural. No cinema a queda é sempre bela, há o corte da cena, a troca de câmeras, tudo parece correto. Aqui, o corpo dançou um pouco, involuntário e ridículo, de encontro ao chão. Caiu de costas e o rosto ficou virado de lado. Olhos fechados. Não demorou o sangue previsível.

Ela se pega estática, pensando.

“E agora? O que vem agora?”

Súbito, o frio: um arrepio de cruel lucidez percorre seu corpo, e ela percebe que o rapaz provavelmente não se levantará. E se acaso o fizer, ferido e coberto de sangue, isso não será de forma alguma bom para ela.

Há que pensar rápido. Panos de chão, rodo, produtos de limpeza. Sim, é um bom dia para fazer faxina. E a varanda, ele gosta tanto da varanda. Décimo andar. Uma longa queda até a rua. Foi acidente ou de propósito?

Há sempre um benefício na dúvida.


 

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